J.R. Guzzo
O STF, o único governo de fato
que existe no Brasil de hoje, assume cada vez mais a cara, corpo e alma de uma
dessas ditaduras africanas (a América Latina já está numa outra fase) nas quais
um ato extremista puxa outro e os ditadores, nos seus arranques de despotismo,
vão perdendo o contato com a realidade. Acontece o tempo todo: os ministros,
colocados diante de uma decisão radical, tomam outra ainda mais radical.
Aconteceu de novo.
Sem razão nenhuma, apenas
usando a petição de um partido-anão para satisfazer os seus desejos políticos
(e os do resto do STF), o ministro Luís Roberto Barroso impôs ao Senado uma
humilhação espetacular: mandou o presidente da Casa abrir uma CPI que ele, no
pleno uso dos seus direitos constitucionais, não queria abrir. Logo depois de
ter feito a Câmara engolir a prisão ilegal de um deputado, o STF dobra a
aposta, enfiando goela abaixo do Senado uma CPI sem pé nem cabeça,
integralmente facciosa, e sem nenhum outro objetivo que não seja agredir o
Executivo.
A comissão, como se sabe, é
para investigar a conduta do governo federal durante a pandemia de Covid-19. Só
a dele, é claro, e não as ações dos estados e municípios — que receberam do
mesmo STF, há mais de um ano, autonomia completa para gerir a epidemia e só
produziram até agora 360 mil mortos e uma devastação sem precedentes na
economia do país.
Não saiu bem como queriam; na
forma final, ficou aberta uma brecha para perguntas sobre a maciça roubalheira
de verbas federais por parte das “autoridades locais”, um escândalo em moto
contínuo que já provocou mais de 70 investigações da Polícia Federal.
Mas o propósito de atacar o governo e, especialmente, a Presidência da República, permanece intacto: junto com a CPI, para completar o serviço, o STF deu curso a um prodigioso processo para julgar Jair Bolsonaro por “genocídio” — pelo que deu para entender, o presidente está sendo acusado de não fornecer água potável às “populações indígenas”. Acredite se quiser.
Como tinha acontecido na
Câmara, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, cedeu miseravelmente a mais
uma intromissão do STF em questões internas do Congresso Nacional. Durante os
últimos 63 dias, Pacheco vinha argumentando que não abria a CPI pedida pelo
partido nanico porque o momento, no meio de uma tragédia absoluta, não era
apropriado. Não aconteceu nada de novo até agora — mas o “momento”, assim que
Barroso falou, passou a ser ótimo. O ministro mandou, Pacheco obedeceu no ato;
ao que parece, estão se acostumando a apanhar e gostar. É isso, hoje, o
Parlamento brasileiro.
Como acaba de escrever a
Gazeta do Povo, o Supremo cometeu um suicídio moral ao anular todas as ações
penais contra Lula por corrução e lavagem de dinheiro, inclusive a sua
condenação em terceira e última instância por nove juízes diferentes.
Suicidou-se outra vez, logo em seguida, ao julgar o juiz Sergio Moro “suspeito”
de agir com parcialidade — com base em informações obtidas através de crime e
cuja autenticidade está em dúvida.
Com os seus repetidos surtos
na área política, o STF está operando, a cada dia que passa, como uma das
ditaduras mais extravagante e subdesenvolvidas que há por aí.
Título e Texto: J. R. Guzzo,
Gazeta do Povo, 15-4-2021, 16h58
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