Aparecido Raimundo de Souza
Os pequenos miseráveis não tinham endereço fixo. Seus lares não iam além
das calçadas frias, dos bancos das praças e dos becos escuros existentes aos
redores da cidade. Elas não conheciam o aconchego de um abraço, nem o calor
fraterno de uma refeição compartilhada em família. Seus pais, por razões as
mais diversas, haviam partido deixando seus destinos entregues ao desamparo de
um incerto negro e infame.
Algumas dessas crianças –, a maioria recém-nascida, vivia em caixas de
papelão ou lixeiras. Outras mais velhas carregavam em seus olhos tristes a
agonia do desespero e, dentro do peito, a febre incurável dos corações
despedaçados. Elas vagavam pelas ruas e vielas invisíveis aos adultos
apressados. Davam a impressão de fantasmas errantes em busca de uma parcela de
afeto por menor que pudesse ser encontrada.
Uma dessas crianças era o Luiz Claudio. Com apenas oito anos, conhecia a
dureza da vida entrelaçada aos descasos do relento. Seus pés desvestidos de
sapatos pisavam o asfalto quente, outras vezes o aguaceiro dos temporais
violentos e enérgicos, enquanto a sua curiosidade observava o vai e vem das
pessoas. Luiz Claudio sonhava com um lar, com uma cama macia, comida e uma mãe
que o chamasse de filho.
O guri tinha um amigo, o José Bento, que também vivia como ele, ao deus dará. Um pouco mais velho que Luiz Claudio, o piá sabia contar histórias incríveis sobre um mundo fantástico além das estrelas vistas no longínquo céu. Ele dizia que, à noite, quando todos se recolhiam, essas estrelas se transformavam em fadas e dançavam no infinito. Ele acreditava piamente em Deus e orava à sua maneira infantil. A fantasia, como um todo se fazia a sua única companheira.
Entretanto, nem todas as histórias acabavam em mágicas alvissareiras.
Havia noites em que o frio gelado cortava a pele e a fome na barriga vazia
apertava. Luiz Claudio, nesses momentos, se encolhia em um canto, abraçando os
joelhos, enquanto José Bento encarava o céu em busca de respostas. Por que
estava ali? Por qual motivo a sua mãe o largara aos reveses da sorte
traiçoeira?
Um dia, algo extraordinário aconteceu. Uma mulher jovem, de cabelos
vermelhos e rosto bonançoso se aproximou. Ela envolveu Luiz Claudio e José
Bento em abraços apertados dizendo: “Vocês não estão mais sozinhos, meus
pequenos. Vou cuidar de vocês.” Essa criatura inesperada, se soube a depois,
mantinha um abrigo. Um lugar onde crianças como Luiz Claudio e seu amigo José
Bento encontraram refúgio e esperança.
Luiz Claudio não sabia o que significava um lar, um canto de acolhimento.
Tampouco José Bento. Todavia, ambos sentiram de imediato, o calor daquelas
palavras. Eles olharam para o céu e se depararam com uma estrela cadente.
Fecharam os medos, recolheram os assombros e fizeram um pedido: “que todas as
crianças abandonadas encontrassem um lar, um abraço, um aconchego, uma
família.”
Assim, entre a solidão abrutalhada e inepta, a perspectiva em sua melhor
forma de expressão. Luiz Claudio e José Bento descobriram que o mundo podia ser
mais gentil do que eles imaginavam. Aprenderam que mesmo nas noites mais
escuras e longas uma luz árdega e fogosa extasiada e embevecida brilhava
guiando as suas melancolias para onde seriam amados e protegidos.
A lição que esse texto quer deixar para todos os leitores da imensa
“Família Cão que Fuma”:
Que as crianças abandonadas abaixo da linha da pobreza, ao relento das
malhas do azar, ou ao acaso das intempéries encontrem seus caminhos de volta ao
brilho da felicidade. Ao menos se deparem com um trilhar robusto onde a solidão
se transforme em luz e a esperança de dias melhores jamais se apague.
Título e Texto: Aparecido
Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo
de Freitas, no Rio de Janeiro, 5-3-2024
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