Rodrigo Constantino
À exceção dos cínicos e canalhas, todos que defendem uma postura o fazem porque julgam estar do lado certo, com a verdade em mãos. É por isso que, desde tempos imemoriais, há um debate ferrenho sobre quem poderá ter a última palavra sobre o que é verdadeiro e o que é falso. Na tradição liberal, que persistiu ao longo de muita luta e também derramamento de sangue, optou-se pela humildade epistemológica e a ampla liberdade de expressão.
Desde John Milton, passando
por John Stuart Mill e tantos outros, os liberais pregaram o debate quase
irrestrito e cada indivíduo livre para julgar por conta própria. Se você está
seguro de suas verdades, cabe a você persuadir os demais, confrontar seus supostos
equívocos com argumentos convincentes para mostrar-lhes que estão no engano e
despertarem para a luz da verdade. É por isso que no Ocidente liberal há quase
irrestrita liberdade de expressão, ao contrário de sociedades coletivistas e
autoritárias, em que o estado decide o que é verdadeiro ou não.
A liberdade de expressão no
Brasil está ameaçada hoje por aqueles que se dizem liberais, democratas e
tolerantes. Eles "sabem" que os bolsonaristas são uns
"negacionistas", eles viram a luz da ciência, eles definem o que é
verdadeiro e o que é falso. Ao revogar a Lei de Segurança Nacional, Bolsonaro
vetou alguns artigos, entre eles justamente o poder estatal de punir
"disparos em massa inverídicos contra a democracia". Eis como o
editorial do Estadão enxergou o caso:
O Congresso estabeleceu
dois novos crimes contra o processo eleitoral. Jair Bolsonaro vetou o crime de
comunicação enganosa em massa (promover ou financiar campanha para disseminar
fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do
processo eleitoral; pena de um a cinco anos de reclusão). Sem pudor, tenta
manter impunes as ações bolsonaristas contra o sistema eleitoral. [...] O
Congresso não criminalizou nenhuma manifestação de pensamento. Apenas protegeu
o Estado Democrático de Direito, o que evidentemente dificulta os intentos do
bolsonarismo. Cabe ao Legislativo proteger seu bom trabalho, derrubando os
cinco vetos. Não deve haver impunidade para quem atua contra o regime
democrático.
Para o jornal, seria crime contra o sistema eleitoral espalhar desconfiança em relação ao modelo eletrônico que só Brasil, Butão e Bangladesh adotam. Seria crime repetir que nossas urnas são opacas, caixas-pretas sem transparência, e que não são invioláveis, ao contrário do que afirma o TSE, isso sim uma Fake News. O jornal, que se vangloria de defender instituições e a liberdade de pensamento, quer interditar o debate e exige que todos aceitem o que diz o TSE e ponto final. Qualquer outra coisa seria "atuar contra o regime democrático", pelo visto.
É uma postura temerária! Isso
sem falar do escancarado duplo padrão, da seletividade. Afinal, o establishment
não está perseguindo comunistas, que abertamente atacam o regime democrático e
pregam a ditadura do proletário. Esses gozam de um salvo-conduto para destilar
ódio contra o sistema "burguês", e alguns pedem até a dissolução do
STF. Mas eles podem tudo, enquanto os bolsonaristas que criticam o STF e
o TSE são "golpistas". O Estadão não quer saber dos perigos de
delegar a alguns poucos "iluminados" o poder de decidir o que é
verdade.
À contramão do Estadão, a
Gazeta do Povo escreveu um editorial em defesa da liberdade de expressão e
denunciando o perigoso "Ministério da Verdade" criado pelo Supremo:
"STF quer usar monitoramento para combater a 'desinformação' e o 'discurso
de ódio' – e quem definirá o que é 'narrativa odiosa' será, certamente, o
próprio Supremo. [...] E bem sabemos quais são os critérios dos membros da
corte, que ameaçam de prisão quem chama o Supremo de 'uma vergonha', ou que
buscam destruir a carreira de membros do Ministério Público que criticam
decisões – decisões, e não pessoas, que fique claro – bastante criticáveis da
corte. A julgar pelo retrospecto, qualquer crítica legítima, seja formulada em
termos brandos ou de forma mais incisiva, será classificada como 'discurso de
ódio' se ferir os brios dos ministros".
Reparem que o ministro Barroso, que deseja abertamente "empurrar a história", comete um ato falho ao afirmar que ignora as pressões políticas para julgar com base em seus valores:
CONFUSO! Foi ato falho Ministro? Você segue os seus valores em suas decisões ou a Constituição Federal? pic.twitter.com/cu3G0XCnaR
— Vinicius Carrion (@viniciuscfp82) September 3, 2021
Mas esses "tolerantes
democratas" reclamam do clima tenso de guerra e pedem paz, sendo que paz,
nesse caso, significa a rendição da direita, que deveria simplesmente acatar
toda a cartilha "progressista" politicamente correta e obedecer aos
ministros supremos. Lacombe, em sua coluna, aponta para o que está em jogo:
"É preciso ser muito cínico para não enxergar uma oposição destrutiva, que
aposta na desestabilização e na desarmonia, que joga contra o país, com o
objetivo de atingir o governo. Juntam-se a velha imprensa, os partidos de
esquerda, o Judiciário..."
E a pandemia forneceu aos
autoritários o pretexto perfeito para calar os dissidentes. J.R. Guzzo abre
assim sua coluna de hoje na Gazeta: "Nunca, desde os vastos movimentos
fascista e nazista de um século atrás, as liberdades individuais e coletivas
sofreram uma sucessão de agressões tão perversas quanto estão sofrendo agora
por causa da Covid-19". Esses autoritários globalistas "sabem" a
verdade, e quem ousa discordar ou mesmo questioná-las, precisa ser punido para
aprender uma lição.
Em suma, estamos diante de um
velho embate que os liberais conhecem há séculos. De um lado, arrogantes
autoritários que juram ser os detentores da Verdade e querem calar os demais;
do outro lado, os mais humildes que reconhecem a falibilidade humana e enxergam
no próprio método científico a vantagem da abertura constante a
questionamentos, já que aquilo considerado verdade ontem pode se mostrar falso
amanhã. O irônico é que os autoritários dogmáticos acusam os liberais humildes
de fascistas, negacionistas e golpistas que atentam contra as liberdades e a
democracia. É o golpe perfeito: matam a liberdade e a democracia em seu nome!
Título e Texto: Rodrigo
Constantino, Gazeta do Povo, 3-9-2021, 11h43
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