Na vida real da política o Datafolha é uma coisa e a eleição é outra; eleição, na prática, é voto na urna, e não no jornal ou nas notícias do horário nobre
J. R. Guzzo
É possível que as manifestações de rua deste Sete de Setembro, que têm sido a obsessão do mundo político brasileiro nas últimas semanas, acabem sendo uma coisa rala, muito abaixo do que esperam os admiradores do presidente Jair Bolsonaro – e abaixo, ao mesmo tempo, do que causa tanto pavor junto aos seus inimigos. Podem, ao contrário, reunir gente que não acaba mais e receberem a classificação de movimento de massa de primeira grandeza. Tanto num como no outro caso, não muda o verdadeiro problema que envenena a política brasileira no momento: o que fazer com o presidente da República, hoje e principalmente no futuro? É um nó de marinheiro — e daqueles difíceis de desmanchar.
Foto: Marcos Corrêa/PR |
As manifestações pró-Bolsonaro
têm sido vistas pelo Supremo Tribunal Federal, pelas elites pensantes, pela
mídia, pela oposição em peso, pelas classes intelectuais e até mesmo pelos
banqueiros — imaginem aonde chegamos — como uma ameaça direta à democracia. O
presidente, por este modo de ver as coisas, está querendo usar a rua (se
conseguir mesmo encher a rua de gente) para desmoralizar as “instituições”,
romper com as leis e dar um golpe de Estado. Mesmo que não seja quebrada nem
uma vidraça, como vem sendo a regra nesse tipo de protesto público, os
manifestantes vão com certeza falar o diabo — e isso, hoje em dia, é
considerado infração gravíssima. (Grave a ponto de o STF, como medida de
resistência aos golpistas, ter decretado ponto facultativo no dia 6 — uma bela
“ponte” que vai render quatro dias seguidos de feriadão, do sábado à
quarta-feira, dia 8.)
“Golpe exige força — e o
único que tem força, o Exército Brasileiro, não vai se meter nisso”
Vastas emoções, portanto — mas com pensamentos imperfeitos. Aconteça o que acontecer na rua no dia 7 de setembro, não vai haver golpe militar nenhum. O motivo disso é muito simples. Golpe militar tem de ser dado por militar, e o militar brasileiro não quer dar golpe — não quer, não pode, não tem planos para isso, não tem liderança, não tem recursos, não obedece a carro de som nem à barulheira em rede social. Golpe exige força — e o único que tem força, o Exército Brasileiro, não vai se meter nisso. Em compensação, os inimigos do presidente continuam com o mesmíssimo problema que têm agora: o risco de que ele permaneça no governo até o fim do mandato, coisa que acham intolerável — ou, muito pior ainda, que fique por quatro anos além disso, se for reeleito. Aí já seria o fim do mundo.
Teoricamente não deveria haver
problema nenhum com nada disso. Se Bolsonaro é mesmo o pior presidente que o
Brasil já teve em toda a sua história, e se ainda por cima é genocida, ladrão
de vacina e culpado por todas as desgraças que o país tem hoje, ele vai ser
derrotado por qualquer outro candidato nas eleições de 2022, não é mesmo? Que
risco pode haver se o presidente é realmente o monstro que aparece todos os
dias no noticiário? Os institutos que pesquisam “intenção de voto”, aliás,
dizem que o grande nome da oposição, o ex-presidente Lula, já está com mais de
50% dos votos no papo; mais um pouco, na toada em que está indo, chega aos
100%. Como um desgraçado da vida como Bolsonaro poderia ganhar dele, ou de
outro qualquer?
Acontece que não é assim,
claro — ou ninguém acredita mesmo que esteja sendo assim. Na vida real da
política o Datafolha é uma coisa e a eleição é outra; eleição, na prática, é
voto na urna, e não no jornal ou nas notícias do horário nobre. O panorama
visto de hoje, pelo estado de excitação nervosa extrema que foi montado em
torno do presidente da República, dá a entender que existe a possibilidade real
de Bolsonaro ganhar a eleição. E aí? Há cada vez mais gente, no Brasil que
manda, dizendo que “não dá para esperar”. Como fica, então?
Título e Texto: J. R. Guzzo,
O Estado de S.Paulo, revista
OESTE, 5-9-2021, 17h15
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